WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Nove

 

 


 

WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Nove

 

Fazia tempo que Rosa não visitava Izabel... afinal, vida de professora é um tanto quanto corrida... preparar lição, corrigir lição, preparar prova, atualizar diário de aula...mas naquele dia resolveu dar uma passadinha na loja de sua amiga. Bem... amiga, amiga, não dava para dizer que era... afinal, fazia já um bom tempo que as duas não se encontravam... depois que Graça partiu para a Capital, a duas se encontraram algumas vezes... no final, esses encontros foram ficando cada vez mais raros. A quanto tempo Rosa não visitava Izabel? E Izabel, foi visitá-la alguma vez? Por mais que esforçasse a memória, não conseguia lembrar. Tudo bem, isso não era importante. De qualquer forma, Rosa achou que era hora de visitar a sua... vá lá que seja... amiga. E entrou na loja. O relógio marcava duas horas da tarde. Izabel estava no escritório olhando alguns documentos. Estava distraída. Rosa parou na soleira da porta e deu umas batidinhas, de leve. Izabel levantou a cabeça, e viu a sua quase amiga parada, olhando-a...fez sinal para que a mesma entrasse no recinto...

- Rosa... a quanto tempo!

- Pois é... eu, com a minha turminha, você com a sua loja... ô vida corrida, não?

- É... quando a gente percebe, o tempo já passou...

- E a vida, como vai?

- De verdade? Ou prefere que eu minta?

- Está tão ruim assim?...

- Bem, a vida tem seus altos e baixos... vamos dizer que a minha está no baixo, no momento...

- Não entendi...

- Não se preocupe... quando se casar, você entenderá...

Rosa bateu três vezes na madeira...

- Sai prá lá... já fui casada, já se esqueceu?

- É mesmo... que cabeça a minha...

- Tudo que eu posso dizer é que, nessa arapuca, não caio mais...

Izabel riu...

- Vamos deixar esse... problema de lado, está bem? Posso te ajudar em alguma coisa?

- Bel, na verdade eu vim te convidar para almoçar comigo... e aí a gente podia jogar um pouco de conversa fora...

Izabel levantou-se de sua cadeira, pegou sua bolsa e se preparou para sair...

- Veio em boa hora... ainda não almocei, briguei com o Juca de manhã e preciso espairecer um pouco...

- Então, vamos...

E as duas saíram em direção a praça, não sem antes Izabel passar algumas instruções para suas empregadas. Seu esposo havia saído e ainda não retornara. Provavelmente estaria remoendo a briga matinal até agora, como ela estava fazendo... Lageado estava crescendo... tinha até um restaurante, evolução da pensão que existia na praça principal do povoado. Conforme a região foi crescendo, o serviço foi se modificando e hoje tinha ares de cidade grande... Sim, Lageado estava se transformando! As duas chegaram no Restaurante, olharam o cardápio e pediram cada uma o seu prato favorito... Izabel pediu uma Strozzapreti, com molho de pancetta salteada em azeite, misturada à massa cozida com muito queijo pecorino e gemas cruas, cozidas ligeiramente com o calor da massa, salsinha fresca e pimenta do reino. As gemas, unidas à água da massa e ao queijo, formavam um molho fino e cremoso... Rosa quis saborear um Orecchiette com molho de tomate e brascioles (almôndegas). Para acompanhar, um vinho branco...Ficaram trocando figurinhas por algum tempo... como eu disse antes, as duas não eram muito íntimas, mas ao recordarem sua época de loucuras, se divertiam com as lembranças. Depois de devorarem seu pedido, resolveram terminar a festa com um tiramisú... e aí, o relógio da praça já acusava mais de três e meia da tarde. As duas moças acabaram nem vendo a hora passar. Izabel achou ótimo... afinal, precisava desanuviar um pouco os pensamentos. Algumas vezes a sobrecarga de responsabilidades... a loja, as empregadas, o marido, os filhos, a casa... tinha hora que ela sentia desejo de jogar tudo para o alto...

Elas saíram e resolveram continuar a conversa sentadas na praça da matriz... Izabel não estava muito preocupada com sua loja... afinal, a essas alturas seu esposo deveria ter retornado de seu compromisso em Quiririm, para onde havia ido de manhã. E ela achou que era bom que Juca tivesse um pouco de dor de cabeça com a loja, de vez em quando. É claro que ela entendia que seu marido não podia se dedicar totalmente a loja, uma vez que ele trabalhava como administrador da fazenda dos Nardi, posto que herdou do pai de Izabel. Mas, algumas vezes, ela fingia que não sabia disso. E o pressionava para que ele assumisse as rédeas de seu empreendimento....

Rosa reparou que sua... amiga... mesmo procurando parecer alegre, estava meio caída, digamos assim. E começou a perguntar, como quem não quer nada, sobre o que estava acontecendo. Devagar foi quebrando a resistência de sua amiga, que aos poucos foi-se abrindo. Izabel confessou que ultimamente não estava dormindo direito. Estava tendo pesadelos, coisa que jamais teve em sua vida...

Enquanto conversavam, começaram a caminhar. E, de passo em passo, acabaram chegando ao rio, que não ficava assim tão longe do centro do vilarejo. Izabel começou a falar sobre seu pesadelo... toda noite sentia que estava cavalgando por uma campina... a princípio, o lugar era limpo, lindo...mas conforme ela ia seguindo em frente, tudo acabava tomando um aspecto lúgubre. A parte mais difícil era quando chegava ao seu destino...  um desfiladeiro cheio de sombras, com um arvoredo todo retorcido, cujas sombras projetadas no paredão se assemelhavam a almas saídas do inferno. E ela sentia um horror indescritível... e acordava apavorada, não raras vezes sem gemer de medo! Sim, esses sonhos estavam acabando com ela... estava até pensando em visitar dona Rosaria, uma benzedeira que morava no pé da serra, pois não sabia mais a quem recorrer... Rosa resolveu falar de sua experiência estranha da noite anterior. E contou tudo em detalhes para a amiga... as duas ficaram alguns momentos em silêncio, olhando a água do rio que corria mansamente para algum lugar mais à frente... Quando ela descreveu o caminho que fizera  para chegar ao local em que encontrara o coelho de brinquedo, Izabel a olhou, incrédula... era o local em que seu pesadelo se iniciava...
- Mas o que está acontecendo com a gente, Rosa?

- Não sei... mas é esquisito, não é?

- Como é que nós duas podemos sonhar com o mesmo lugar?

- Não faço ideia... tudo o que posso dizer é que nunca vi isso, antes...

- Nem eu... será que o padre sabe dizer prá gente o que fazer?

- Melhor não... ele é muito agarrado às normas da sua igreja... vai que...

- É, você está certa...

E as duas se calaram, novamente, desta vez cada uma imersa em seus pensamentos. Depois de algum tempo, resolveram voltar para o vilarejo... foram direto para a loja de Izabel, pois era hora de fechar o comércio. Juca estava fechando as portas da loja, quando as duas chegaram...

- Mas isso são horas de chegar, mulher? Onde você estava?

- Juca, vai encher outro... eu estava conversando com a Rosa...

- Mas na hora de trabalho? Podiam ter deixado para...

- Chega... eu não quero discutir agora. Estava precisando conversar e foi o que fiz...

- Acho melhor deixar vocês...

- Não, Rosa, não se preocupe... o Juca não quis te ofender... não é mesmo, Juca?

O rapaz ficou sem ação. Izabel olhou para ele, disse que iria mais tarde para casa, e saiu junto com Rosa, pois tinham muito para conversar... foi o que disse para o marido...
 

 

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