WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Dois
WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS
Capítulo Dois
- Repita de novo, por favor... não estou entendendo!
- Seu delegado, a gente tinha acampado para passar a noite com o gado...
- Até aí eu entendi... não entendi foi o que veio depois...
- Desculpa, mas o que o doutor não entendeu?
- O morto...
- Morreu, ué...
- Sim, eu sei... que ele morreu, estou vendo. O que eu quero saber é como ele morreu!
- E como o senhor quer que a gente saiba? Quando o encontramos, já estava morto...
- E ninguém viu nada?
- As vacas viram.... mas elas não sabem contar prá gente...
- Está de brincadeira...
- Não, seu doutor... estou falando sério.
- Quem é o responsável pela tropa?
- O Zé Cardoso...
- Pode ir chamá-lo. por favor?
- Vai demorar um pouco...
- Não interessa se vai demorar... preciso falar com ele.
Manguaça tratou de partir rapidamente em direção ao pasto sul, onde Zé Cardoso estava. O delegado parecia impaciente, portanto era melhor não contraria-lo. Zé estava reunido com alguns vaqueiros, distribuindo ordens, definindo posições. Cada cavaleiro tinha a sua posição no manejo do gado definida antes de partirem em direção ao seu destino. Uma vez que a comitiva era grande, se não fizesse uma distribuição racional de seus homens, poderia correr o risco de acabar perdendo algumas cabeças de gado por não ter cobertura suficiente em todas as pontas. Quando Manguaça o interrompeu, mostrou-se levemente aborrecido. Afinal, se soubesse que teria tanta dor de cabeça com o ocorrido, teria feito como a muito se fazia nas viagens... enterrado o vaqueiro, marcado o local de seu sepultamento com uma cruz e mandar rezar uma missa em intenção à sua alma na primeira igreja que encontrasse. Mas as coisas estavam mudando... então era melhor seguir os novos procedimentos. O problema era o atraso, que iria aumentar ainda mais seu tempo de viagem. Agora levaria pelo menos três dias a mais do planejado para chegar ao destino... e isso não era algo que o deixava animado. Enfim... de nada adiantava desanimar... o negócio era conversar com o delegado, ver o que dava para fazer...
- Pois não, doutor...
- É o responsável pela comitiva?
- Sim... Zé Cardoso, às suas ordens...
- O senhor é o Zé Cardoso? De Caçapava?
- Sim, senhor...
- Nossa... o senhor é uma lenda por esse sertão afora! Nunca perdeu uma única res em todas as suas viagens!
- Obrigado, doutor... mas em que eu posso ajudar o senhor?
- Seu Cardoso, estamos com um problema...
- É, eu sei... o finado Chiquinho...
- Não, não... o problema vai além de seu vaqueiro perdido...
- Desculpa, doutor... não estou entendendo...
- Eu não queria falar para o seu vaqueiro... mas essa não é a primeira vez que acontece isso nessa região...
- Não?
- Não. Só esse mês é o quinto caso, nessa área. E vocês vão permanecer na região por pelo menos mais uma noite...
- A gente vai ter que ficar aqui mesmo?
- Não, não... podem seguir viagem. O problema é que com essa boiada, vocês não vão avançar muito até a noite. Por isso, é que eu queria falar contigo... não deixe seus homens sozinhos à noite, em hipótese alguma. De preferência, deixe-os em trios. Em ultimo caso, que fiquem em duplas. Mas, em hipótese alguma, devem permanecer sozinhos...
- Mas o que está acontecendo na região?
- Sinceramente? Não sei te dizer. O que posso te adiantar é que, de uns tempos para cá, começaram a aparecer pessoas com a garganta estraçalhada, a cabeça quase arrancada do pescoço... e eu não faço a menor ideia do que possa ser isso...
- Bem, pelo jeito é algum animal...
- Por aqui não tem nenhum animal do porte que esse que está atacando as pessoas teria...
- Bom, em algum lugar deve ter... de repente a fera se esconde em algum recanto durante o dia...
- Foi o que eu também pensei, no inicio... mas já batemos essa região muitas vezes... e nunca conseguimos achar nada...
- Já pediu ajuda?
- Da Capital? É claro... disseram que vão pedir ajuda do Governo Federal...
- Ué... tem que ser do Governo Federal?
- Nesse caso, sim... dizem que tem um delegado, em especial, que é especialista nesse tipo de caso...
- Então deve ser bem requisitado...
- E é... parece que está resolvendo um probleminha lá prás bandas de Andradina... e assim que terminar por lá, virá em nosso auxilio...
O delegado deu por encerrada a conversa. Sua real intenção era deixar o chefe da comitiva avisado, para que ao menos tivesse noção do perigo que estavam correndo, enquanto permanecessem por aquelas cercanias. Ele confiava que o boiadeiro não iria espalhar entre seus homens o que lhe contara, pois sabia que os caboclos eram muito influenciáveis e alguns poderiam mesmo debandar, deixando o responsável pela viagem em palpas de aranha... montou em seu cavalo, despediu-se uma vez mais de Zé Cardoso e seguiu em direção ao vilarejo a passo lento... não tinha pressa de chegar em seu escritório... mais tarde mandaria alguém buscar o corpo para que o legista o examinasse, mas já sabia qual seria o resultado da análise... atacado por animal desconhecido... preferia continuar com esse veredito, embora tivesse suas suspeitas quanto ao verdadeiro culpado pelos ataques... sim, ele tinha suas teorias... mas era melhor deixá-las guardadas dentro de sua cabeça. Afinal, já tinha problemas de sobra, para arranjar mais um...
Zé Cardoso chamou seus homens de confiança, para dar-lhes as ultimas instruções antes de seguirem viagem. O corpo de Chiquinho, como ficara acordado com o delegado, permaneceria no mesmo local em que foi encontrado, e três de seus vaqueiros ficariam de guarda até que o pessoal da delegacia fosse buscá-lo. Finalmente a comitiva se pôs em marcha, com aquela mancha interminável formada pelas reses seguindo o som do berrante. De vez em quando uma ou outra rês se desgarrava do grupo, então os cães da comitiva as cercavam, conduzindo-as de volta a manada. Em casos excepcionais, os vaqueiros usavam seus laços para trazer uma ou outra rês mais arredia de volta ... e assim, foram seguindo em frente. Depois da conversa que tivera com o delegado, Zé Cardoso não via a hora de deixar aquela região para trás... quanto mais longe estivesse deles, melhor. Mas ele sabia que dificilmente conseguiria sair do condado antes da noite cair... e conduzir o gado a noite não seria uma decisão muito inteligente.
Mil pensamentos afloravam por sua mente. Já havia ouvido falar de monstros que atacavam as pessoas em noites de lua cheia... estavam na lua cheia... mas até aquele momento nunca tinha presenciado algo do gênero em suas andanças pelo sertão. Sim, histórias já tinha ouvido, e muitas... inclusive, lá para as bandas do Lageado, para onde estavam indo agora, havia ouvido rumores de que monstros do além estavam em ação... mas sempre creditou isso a uma dose a mais da cachaça na cabeça dos peões... mas agora... é, tinha que repensar seus planos de viagem... não queria ser surpreendido novamente... se começasse a perder seus homens de maneira violenta, como ocorreu com Chiquinho... bem, seria mais difícil recrutar os vaqueiros para acompanhá-lo em suas viagens...
- Repita de novo, por favor... não estou entendendo!
- Seu delegado, a gente tinha acampado para passar a noite com o gado...
- Até aí eu entendi... não entendi foi o que veio depois...
- Desculpa, mas o que o doutor não entendeu?
- O morto...
- Morreu, ué...
- Sim, eu sei... que ele morreu, estou vendo. O que eu quero saber é como ele morreu!
- E como o senhor quer que a gente saiba? Quando o encontramos, já estava morto...
- E ninguém viu nada?
- As vacas viram.... mas elas não sabem contar prá gente...
- Está de brincadeira...
- Não, seu doutor... estou falando sério.
- Quem é o responsável pela tropa?
- O Zé Cardoso...
- Pode ir chamá-lo. por favor?
- Vai demorar um pouco...
- Não interessa se vai demorar... preciso falar com ele.
Manguaça tratou de partir rapidamente em direção ao pasto sul, onde Zé Cardoso estava. O delegado parecia impaciente, portanto era melhor não contraria-lo. Zé estava reunido com alguns vaqueiros, distribuindo ordens, definindo posições. Cada cavaleiro tinha a sua posição no manejo do gado definida antes de partirem em direção ao seu destino. Uma vez que a comitiva era grande, se não fizesse uma distribuição racional de seus homens, poderia correr o risco de acabar perdendo algumas cabeças de gado por não ter cobertura suficiente em todas as pontas. Quando Manguaça o interrompeu, mostrou-se levemente aborrecido. Afinal, se soubesse que teria tanta dor de cabeça com o ocorrido, teria feito como a muito se fazia nas viagens... enterrado o vaqueiro, marcado o local de seu sepultamento com uma cruz e mandar rezar uma missa em intenção à sua alma na primeira igreja que encontrasse. Mas as coisas estavam mudando... então era melhor seguir os novos procedimentos. O problema era o atraso, que iria aumentar ainda mais seu tempo de viagem. Agora levaria pelo menos três dias a mais do planejado para chegar ao destino... e isso não era algo que o deixava animado. Enfim... de nada adiantava desanimar... o negócio era conversar com o delegado, ver o que dava para fazer...
- Pois não, doutor...
- É o responsável pela comitiva?
- Sim... Zé Cardoso, às suas ordens...
- O senhor é o Zé Cardoso? De Caçapava?
- Sim, senhor...
- Nossa... o senhor é uma lenda por esse sertão afora! Nunca perdeu uma única res em todas as suas viagens!
- Obrigado, doutor... mas em que eu posso ajudar o senhor?
- Seu Cardoso, estamos com um problema...
- É, eu sei... o finado Chiquinho...
- Não, não... o problema vai além de seu vaqueiro perdido...
- Desculpa, doutor... não estou entendendo...
- Eu não queria falar para o seu vaqueiro... mas essa não é a primeira vez que acontece isso nessa região...
- Não?
- Não. Só esse mês é o quinto caso, nessa área. E vocês vão permanecer na região por pelo menos mais uma noite...
- A gente vai ter que ficar aqui mesmo?
- Não, não... podem seguir viagem. O problema é que com essa boiada, vocês não vão avançar muito até a noite. Por isso, é que eu queria falar contigo... não deixe seus homens sozinhos à noite, em hipótese alguma. De preferência, deixe-os em trios. Em ultimo caso, que fiquem em duplas. Mas, em hipótese alguma, devem permanecer sozinhos...
- Mas o que está acontecendo na região?
- Sinceramente? Não sei te dizer. O que posso te adiantar é que, de uns tempos para cá, começaram a aparecer pessoas com a garganta estraçalhada, a cabeça quase arrancada do pescoço... e eu não faço a menor ideia do que possa ser isso...
- Bem, pelo jeito é algum animal...
- Por aqui não tem nenhum animal do porte que esse que está atacando as pessoas teria...
- Bom, em algum lugar deve ter... de repente a fera se esconde em algum recanto durante o dia...
- Foi o que eu também pensei, no inicio... mas já batemos essa região muitas vezes... e nunca conseguimos achar nada...
- Já pediu ajuda?
- Da Capital? É claro... disseram que vão pedir ajuda do Governo Federal...
- Ué... tem que ser do Governo Federal?
- Nesse caso, sim... dizem que tem um delegado, em especial, que é especialista nesse tipo de caso...
- Então deve ser bem requisitado...
- E é... parece que está resolvendo um probleminha lá prás bandas de Andradina... e assim que terminar por lá, virá em nosso auxilio...
O delegado deu por encerrada a conversa. Sua real intenção era deixar o chefe da comitiva avisado, para que ao menos tivesse noção do perigo que estavam correndo, enquanto permanecessem por aquelas cercanias. Ele confiava que o boiadeiro não iria espalhar entre seus homens o que lhe contara, pois sabia que os caboclos eram muito influenciáveis e alguns poderiam mesmo debandar, deixando o responsável pela viagem em palpas de aranha... montou em seu cavalo, despediu-se uma vez mais de Zé Cardoso e seguiu em direção ao vilarejo a passo lento... não tinha pressa de chegar em seu escritório... mais tarde mandaria alguém buscar o corpo para que o legista o examinasse, mas já sabia qual seria o resultado da análise... atacado por animal desconhecido... preferia continuar com esse veredito, embora tivesse suas suspeitas quanto ao verdadeiro culpado pelos ataques... sim, ele tinha suas teorias... mas era melhor deixá-las guardadas dentro de sua cabeça. Afinal, já tinha problemas de sobra, para arranjar mais um...
Zé Cardoso chamou seus homens de confiança, para dar-lhes as ultimas instruções antes de seguirem viagem. O corpo de Chiquinho, como ficara acordado com o delegado, permaneceria no mesmo local em que foi encontrado, e três de seus vaqueiros ficariam de guarda até que o pessoal da delegacia fosse buscá-lo. Finalmente a comitiva se pôs em marcha, com aquela mancha interminável formada pelas reses seguindo o som do berrante. De vez em quando uma ou outra rês se desgarrava do grupo, então os cães da comitiva as cercavam, conduzindo-as de volta a manada. Em casos excepcionais, os vaqueiros usavam seus laços para trazer uma ou outra rês mais arredia de volta ... e assim, foram seguindo em frente. Depois da conversa que tivera com o delegado, Zé Cardoso não via a hora de deixar aquela região para trás... quanto mais longe estivesse deles, melhor. Mas ele sabia que dificilmente conseguiria sair do condado antes da noite cair... e conduzir o gado a noite não seria uma decisão muito inteligente.
Mil pensamentos afloravam por sua mente. Já havia ouvido falar de monstros que atacavam as pessoas em noites de lua cheia... estavam na lua cheia... mas até aquele momento nunca tinha presenciado algo do gênero em suas andanças pelo sertão. Sim, histórias já tinha ouvido, e muitas... inclusive, lá para as bandas do Lageado, para onde estavam indo agora, havia ouvido rumores de que monstros do além estavam em ação... mas sempre creditou isso a uma dose a mais da cachaça na cabeça dos peões... mas agora... é, tinha que repensar seus planos de viagem... não queria ser surpreendido novamente... se começasse a perder seus homens de maneira violenta, como ocorreu com Chiquinho... bem, seria mais difícil recrutar os vaqueiros para acompanhá-lo em suas viagens...
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