47 - ENQUANTO O VENDAVAL NÃO CHEGA...
47 - ENQUANTO O VENDAVAL NÃO CHEGA...
- Tem alguma ideia de quando vão chegar?
- Não sei, Rosa... acho que daqui a uns três ou quatro dias....
- Estão meio demorados, não?
Graça, olhando pela janela, fitando o horizonte...
- É que a boiada tem quase mil cabeças... não é fácil conduzir um grupo tão grande, assim...
- E já sabem para onde eles vão?
Caminhando pelo quarto, sempre olhando o infinito através da janela, Graça responde para a amiga....
- Sim... mas vamos esperar que terminem a viagem, primeiro...
- E se o homem que procuram for embora direto da fazenda?
- E porque faria isso? Até onde ele sabe, não tem ninguém à sua procura...
- Eu sei, Graça... mas sabe como é... de repente...
- Menina, vamos pensar positivamente.... o Zé Ferreira vai pegar o dinheiro da viagem e vai vir gastar um pouco nos bares do arraial... de repente, pode até vir se hospedar aqui...
- E se ele reconhecer vocês?
- Difícil... a gente nunca se viu...
Rosa olhou surpresa para Graça. Não podia acreditar no que acabara de ouvir... como assim, elas nunca tinham se encontrado com o homem que procuravam? Se nunca o tinham visto, como é que iriam saber que o encontraram?
- Rosa, eu sei no que você está pensando... porém a gente vai encontrar esse cabra.
- De que jeito? Vocês não sabem nem como ele é....
Graça deu de ombros... sim, era verdade... ela não fazia a menor ideia de como seria o homem que procurava... está certo, ele trabalhou como vaqueiro por algum tempo na Fazenda do Lagedo... mas nunca foi para a cidade ou qualquer outra fazenda dos arredores... foi então que Maria resolveu falar...
- A Graça nunca viu o sujeito, Rosa... mas eu o conhecia bem... fui várias vezes no Lagedo com meu pai, e era amiga da moça que ele matou... foi por isso que resolvi seguir a Graça nessa caçada...
- Então ele te conhece...
- Acho que não... a gente via os cabras trabalhando na lida do gado, mas eles não tinham tempo prá ficar de prosa com a gente... além disso, ele era doido pela Rosinha, só tinha olhos para ela...
- Credo em cruz... ela tinha o mesmo nome que eu?
- Sim... ela também se chamava Rosa... coitada, morreu nova, e por uma fatalidade do destino...
As três ficaram em silêncio por alguns instantes. Baixaram as cabeças, como se estivessem fazendo uma oração... então Rosa volta a falar...
- É por isso que não gosto de festas... onde tem cachaça as coisas nunca acabam bem... ainda mais com esses cabeçudos indo prá festa armados...
- Concordo com você... mas fazer o que? O mundo é assim...
- Mas a gente tinha que tentar mudar isso....
- De novo eu concordo... mas mudar como? Se a gente não conseguir educar as crianças prá pensarem diferente, nada vai mudar nessa vida....
E as três ficaram em silencio novamente, cada uma perdida em seus próprios pensamentos. Graça pensava na mãe, que deixara aos cuidados dos pais de Maria, Maria pensava em seus pais, irmãos e... até no Tonhão, dava para acreditar? A distancia estava fazendo com que a moça passasse a pensar naquele rapaz de tez escura e olhos puxados... sim, de repente a saudade atacava seu coração... e embora jamais tivesse se importado com o rapaz, nesses dias ele estava constantemente em seus pensamentos... Rosa pensava na vida que deixou para trás, e esperava jamais voltar a enfrentar uma vida tão difícil quanto a que levara... mas sabia que a vida é um constante vai e vem.... tudo o que ela podia ter era esperança.... e isso, ela tinha de sobra.... Graça, como sempre, é a primeira a quebrar o silêncio que tomou conta do quarto...
- Gente, vocês vão ficar entocadas aqui dentro? O sol está lindo, lá fora...
- E o que a gente pode fazer?
- Bom, primeiro acho que devíamos ir à Igreja... para agradecer tudo de bom que aconteceu com a gente até agora...
- E depois?
- Depois a gente pode passear pelos arredores... é bom para conhecer o lugar....
- Mas a gente vai armada na Igreja?
- É claro que não, né Maria? As armas ficam aqui no quarto...
- E se alguém entrar aqui e roubar elas?
- E quem vai querer roubar isso, meu Deus do Céu?
- Qualquer um, né, mulher... ou você acha que essas... coisas... são baratas?
Graça parou um pouco e ficou pensativa... Maria tinha razão... não era seguro deixar as armas no quarto da pousada... vai que alguém entrasse ali e.... mas ela não queria ficar trancada no quarto por dois, três dias... tinha que esticar as pernas...
- Está bem, a gente não vai na Igreja, então... mas dá prá passear pelas lojas... e dá prá treinar mais um pouco com o laço e a boleadeira...
- Então vamos....
E as três saíram em direção ao centro do povoado. Visitaram a praça da Matriz... Graça deixou suas armas com Maria e foi rezar um pouco... Rosa a acompanhou. Depois de algum tempo as duas moças voltaram, e Graça perguntou à amiga se ela também queria ir à Igreja, mas Maria declinou... não estava se sentindo muito religiosa, no momento.... querias apenas esticar as pernas, curtir a natureza.... as orações, as faria quando estivesse de volta junto aos seus pais...
As três amigas pegaram suas montarias e seguiram em direção à serra... queriam encontrar um local em que pudessem treinar o manejo de suas armas sem curiosos à sua volta.... mesmo porque ainda "apanhavam" para usar suas... ferramentas. Estavam conscientes quer, quando chegasse a hora, não haveria margem para qualquer tipo de erro. Por esse motivo resolveram treinar o mais que pudessem. Como sempre, as "ideias brilhantes" vinham sempre de Graça,. que convidou as amigas para... saírem no braço, como se estivessem brigando de verdade. Maria não gostou muito da ideia, Rosa também não... mas o argumento de Graça era imbatível... se não treinassem entre elas, como iriam se virar quando tivessem que enfrentar uma briga de verdade? A contragosto as duas acabaram acatando a sugestão da moça... Rosa e Maria foram as primeiras a "sair no braço", sendo que Graça ficava de lado, incentivando as amigas a trocarem socos. Quando achava que a "pegada" não estava boa, corrigia a postura das amigas....
- Rosa, nada de puxar cabelo... lembra que os cabras, na sua maioria, são carecas! Maria, usa as pernas... chuta a adversária, mulher! Rosa, tenta socar o rosto!... Gente, sem mordidas, só as mãos e pernas! Maria, uma joelhada! Rosa, soca no estômago!...
Uma meia hora depois as duas pararam o "treinamento"... ambas apresentavam vários hematomas e realmente estavam cansadas de lutar. Quando Graça tentou fazer as amigas voltarem a se enfrentar, Maria se recusou...
- Graça, você é nossa amiga, ou amiga da onça? Desse jeito, quando o Zé Ferreira chegar, não vai nem precisar lutar com a gente... afinal nós estamos nos massacrando sozinhas... prá mim, chega!
E Maria recostou-se no tronco de uma árvore e fechou os olhos, para descansar da surra que havia levado de sua amiga Rosa... que estava em estado tão deplorável quanto ela.... Graça deu de ombros... afinal, as duas estavam certas... Recostou-se junto com as amigas e fechou os olhos, descansando enquanto se aquecia com o sol de outono, manso e tranquilo...
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