59 - SUSPEITAS...
59 - SUSPEITAS...
- Bom dia, delegado...
- Seu Zacarias... que bons ventos o trazem aqui?
- Na verdade, eu vim a pedido do doutor Vicente, seu colega...
- Bom, então perdeu a viagem... ele não se encontra, no momento...
- Eu sei... na verdade, vim conversar com o senhor...
- Desculpa, seu Zacarias... agora embolou tudo... o senhor veio falar com o doutor Vicente ou comigo?
- Com o senhor...
- A pedido de meu colega...
- Isso...
- Continuo não entendendo...
- Bom, o senhor e o doutor Alberto presenciaram algumas... coisas estranhas... no necrotério, não é mesmo?
- Desculpa... continuo não entendendo...
- Doutor Duarte... o senhor sabe que eu costumo coletar todos os fatos estranhos que acontecem em nossa região...
- Sim, eu sei... tudo aquilo que acontece por aqui e não tem uma explicação lógica, o senhor vai se inteirar para servir de referência no futuro...
- Sim... algumas pessoas não entendem assim... algumas até me chamam de "feiticeiro", pelas costas...
- E o senhor é?...
- Não, claro que não... sou apenas um curioso que procura conhecer aquilo que pode ser útil para nossa comunidade...
- E...?
- E aí é que está, delegado... depois de muito pensar, de pois de muito pesquisar, cheguei a uma conclusão...
- Pesquisar o que, seu Zacarias?
- Principalmente os últimos acontecimentos... o senhor há de convir comigo que ultimamente as coisas andam um pouco fora dos trilhos....
- Já estamos conseguindo realinhar o trem, não se preocupe...
- Não, delegado, não estão realinhando nada... muito longe disso...
- Desculpe...?
- Seu delegado, o que estamos enfrentado, de verdade, é uma "upír"...
- Uma o que? Que diabos é isso?
- Um vampiro, seu delegado... um espírito maligno que se manifesta através de uma pessoa e vem atacar os incautos...
- Ah, não...pelo amor de Deus... ataques sobrenaturais? Isso não existe, seu Zacarias...
- O senhor presenciou algumas manifestações e não quer acreditar que isso exista... Duarte...estou falando sério...
- Tá... vamos dizer que eu acreditasse nessa patacoada... e como a gente iria encontrar esse... vampiro?
- Na verdade, acho que já sei quem é...
- Sério? E seria...
- A professora Alice...
Ao ouvir o nome da professora, Duarte começa a gargalhar. Ri tanto que quase se sufoca. Zacarias apenas fica olhando para o homem, esperando que a sua reação passe... depois de algum tempo, Duarte se recompõe. Olha sério para Zacarias....
- Seu Zacarias, o senhor está brincando com coisas sérias...
- Eu até que gostaria de estar, juro...
- Como é que o senhor.... a professora... uma pessoa tão bondosa... tão preocupada com seus alunos... caridosa, não pode ver ninguém passando necessidade que já vai ajudar, sem se preocupar com quem quer que seja...
- Eu sei disso tudo...
- Além disso, é uma cristã fervorosa... não perde uma missa, nem durante a semana...
- E...?
- Que eu saiba, pelas histórias que ouço contar sobre esses seres, ele não podem nem entrar em um local sagrado...
- E...?
- E também só andam à noite... o sol os destrói...
- Isso é o que o povo conta, Duarte... mas não é bem assim...
- Não entendi...
- Sim, as pessoas dizem que os vampiros são seres malignos, que desejam apenas a destruição da humanidade...
- E não é assim...?
- Mais ou menos... o senhor sabe que trabalho para um criador de gado...
- Sim...
- E que cuidamos das reses desde que nascem até que estejam prontas para o abate...
- Sim...
- E, nesse meio tempo, procuramos deixar os animais o mais confortáveis possível...
- Mas quando chega a hora, simplesmente os abatemos... simples assim...
- Sim...
- Pois bem, para um vampiro, nós somos o gado... enquanto não necessita tomar nossa vida para se alimentar, vai nos tratar com toda deferência... mas quando chegar a hora do abate...
- Você está louco, Zacarias... me desculpe, mas o que está me dizendo não faz o menor sentido....
- O que não faz sentido, Duarte?
- Nada do que você disse faz sentido... como é que você acha que a professora... que ela...
- Duarte, pense um pouco... você trabalha nessa região a quanto tempo?
- Uns dez anos, mais ou menos...
- E a quanto tempo começaram essas... manifestações?
- Eu diria que uns dois anos... um pouco mais, um pouco menos...
- Sim, é isso mesmo.... e quem chegou aqui mais ou menos nesse período?
- Várias pessoas... gente chega e parte a toda hora...
- Concordo contigo... mas quem chegou nesse meio tempo e permanece conosco até hoje?
Duarte fica calado por alguns minutos. Depois fala, pausadamente, como se tivesse perdido uma batalha...
- A professora...
- Sim, Duarte... a professora...
- Mas ela é uma pessoa normal... trabalha durante o dia, come as mesmas coisas que a gente...
- Eu nunca disse que ela não era normal... eu disse que ela era uma vampira...
- E como você explica que ela assista a missa, tome a comunhão?
- E porque ela não poderia fazer isso?
- Porque seria um espírito impuro, um ser maligno... e não poderia colocar os pés dentro de uma igreja...
- Sabe que isso, na realidade, não procede...
- Como assim?
- Esses seres podem entrar em uma igreja normalmente...
- Não foi isso que aprendi...
- Eu sei... e isso nos passa uma falsa ilusão de segurança... em todo caso, normalmente eles não se manifestam dentro de uma igreja... não ,porque fiquem inibidos, mas sim porque você não costuma andar com seu prato na mão em todo canto, não é mesmo?
Andrade ia retrucar, mas ficou sem argumentos...dando de ombros, decidiu aceitar o que Zacarias falava como se verdade fosse, não porque acreditasse piamente... mas simplesmente porque não conseguia pensar em nada para contradizer os argumentos de seu interlocutor...
- Tudo bem... mas você tem provas de tudo isso que me disse?
- Claro que não... e, na verdade, suspeito que Alice nem sabe que é uma vampira...
- Xi... agora entornou o caldo de vez... como assim, "ela não sabe"...?
- É meio complicado... depois te explico melhor... mas agora preciso de sua ajuda para investigar algumas coisas que poderão confirmar ou não minhas suspeitas...
Andrade dá um longo suspiro, resignado...
- Tudo bem... vamos lá, então...
E assim, Zacarias começou a passar algumas instruções para o delegado que ora ouvia com atenção, ora ria a bandeiras despregadas, mas acompanhou o raciocínio de seu interlocutor até o fim. Quando Zacarias se retirou de seu escritório, Andrade sentou-se em sua cadeira, com ar de cansado, pegou um copo, encheu com uma boa dose de café (aposto que pensaram que ele ia tomar uma cachaça) e enquanto sorvia sua bebida, ficou olhando o infinito, com um ar de cachorro perdido...
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