52 - UMA NOITE TENSA







52 - UMA NOITE TENSA

Duarte nunca havia se sentido tão impotente antes em toda a sua vida. Ele se sentia um mero espectador na reunião marcada pelo Delegado Vicente. Os assuntos que debatiam lhe eram totalmente estranhos. Primeiro o Delegado perguntou para Zacarias sobre todas as histórias de assombração que este conhecia, das mais inocentes até as mais escabrosas. E as escutava com toda a atenção do mundo, dando-lhes uma importância que, com toda a certeza, não tinham... afinal, eram historinhas para assustar as crianças malcriadas no final do dia... e mais do que isso não poderiam ser... quem, em sã consciência, poderia realmente acreditar em um ser que usava um redemoinho como meio de transporte e que poderia ser aprisionado em uma garrafa?  Bom, ao que tudo indicava, Vicente acreditava. Em sua frente havia um bloco de notas e, de vez em quando ele o consultava. Quando achava que algum ponto da história não estava claro o suficiente, pedia para seu interlocutor repetir. Fazia várias perguntas sobre alguns tópicos... ou seja, estava realmente levando a sério aquela patacoada. Já passava das dez da noite, e Vicente não dava sinais de que iria encerrar a conversa com Zacarias. Duarte estava nervoso porque, além de tudo, ainda não haviam feito uma pausa nem mesmo para comer alguma coisa. Depois de muito ponderar, resolveu interromper a conversa, ao menos por algum tempo...
- Delegado...
- O que foi, Duarte?
- Eu não sei o senhor, mas acredito que ninguém aqui já comeu alguma coisa...
Vicente fez ar de assombro... não havia percebido que as horas tinham avançado tanto...
- Nossa... que horas são, Duarte?
Duarte consultou seu patacão, presente de formatura que ganhou de seu pai...
- Onze da noite, chefe... e a gente ainda não jantou.... o pior é que não tem onde comer, a essa hora...
- Pessoal, me perdoem... não vi o tempo passar...
Juvêncio levantou-se da cadeira, esticou todo o corpo... depois de alongar-se por alguns momentos, convidou seus companheiros a segui-lo... todos se dirigiram à pensão, onde um farto jantar os aguardava... a cozinheira mantivera todos os alimentos quentinhos. Depois de se fartarem, ou como disse Duarte no final do pequeno banquete, "depois de matar quem os estava matando", Juvêncio resolveu continuar a reunião ali mesmo, não sem antes pedir permissão à dona da pensão...
Conforme as horas iam passando o nervosismo tomava conta dos componentes do grupo. E Juvêncio apenas observava as reações de cada um do grupo. Na verdade, além de Juvêncio, apenas Zacarias se mantinha tranquilo. Alice começou a dar sinais de nervosismo quando o relógio marcou onze e meia...Duarte mostrava sinais de cansaço desde as oito e Alberto mostrava em seu semblante que realmente estava exausto. Considerando a situação, Juvêncio deu a reunião por encerrada, e cada um seguiu seu destino. Quando todos estavam de saída, Juvêncio fez um sinal, imperceptível para os outros,   mas que Zacarias percebeu no ato... e ficou sentado em sua cadeira. Com certeza o Delegado precisava de mais alguma informação... e ele estava sem sono, mesmo...
Depois que todos saíram, Juvêncio voltou a sentar-se, e dirigiu-se ao amigo que permanecera...
- E então, Zacarias?
- Desculpe?
- O que você achou?
- Seu Vicente, eu não entendi...
- Da reação do grupo, quando você estava falando sobre as manifestações aqui na região...
- Ah... bom, só eu falei a noite toda... pensei que a professora também fosse falar alguma coisa...
- É sobre ela mesmo que eu queria falar...
- Hein?
- O senhor não a achou um pouco esquisita?
- Como assim? Não entendi...
- Quando o senhor estava falando sobre bruxas e outros seres da noite, ela ficou muito incomodada...
- Bom, tem gente que não gosta dessas histórias....
- Eu sei, eu sei... mas achei a reação dela muito estranha...
- Seu Delegado, ela é uma pessoa letrada. Eu sou um ignorante da terra. É claro que ela não vê com bons olhos as histórias que eu conto...
- Mas ela não é uma estudiosa das histórias da terra, homem?
- Ainda assim... o senhor reuniu a gente para comparar nossas impressões... e eu fiquei falando a noite toda sobre lobisomem, boi tatá, mula sem cabeça... só falamos sobre assombração a noite toda... qualquer um ficaria cansado de tantas história...
- Notou que na ultima hora ela estava um bocado nervosa?
- Delegado, a moça trabalha na escola... é professora da criançada... tem que levantar cedo e preparar a aula que vai dar para seus alunos... e ficando aqui ouvindo as histórias de um velho? É claro que ia acabar nervosa...
- Talvez você tenha razão... mas, não sei... alguma coisa nela mudou com o passar das horas...
- Não reparei nada de diferente...
- Pode ter sido o cansaço... não sei... de repente o senhor tem razão... eu é que estou vendo coisas onde não tem nada...
- O que o senhor precisa de mim?
- Por hoje? Nada... mas... se não for abusar muito... o senhor se incomodaria em me ajudar em algumas coisas que tenho que ver amanhã?
- Sem problema... eu peço licença para o meu patrão...
- Não se preocupe com isso... eu já conversei com o senhor Nardi e ele o deixou à minha disposição...
Zacarias fez um ar de desagrado. Não gostava que ninguém passasse por cima dele. Quem esse delegado pensava que era, para tomar uma atitude a seu respeito sem consultá-lo antes.;..? Mas depois de ponderar por alguns instantes, entendeu a situação do agente da lei, e resolveu deixar o mal entendido para lá... afinal, tinham coisas muito mais importantes para resolver...
  

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