62 VOLTA AO RECANTO DA SEREIA...



62 - Volta ao recanto da sereia...

 

Eram mais ou menos umas dez horas da noite. Juvêncio e Zacarias estavam de tocaia nas proximidades das margens do rio. Zacarias queria ver a aparição citada por Juvêncio. Não que não acreditasse naquilo que seu parceiro relatou... na verdade, ele tinha uma teoria, e precisava confirmá-la. Ele tinha duas certezas que, para qualquer pessoa sensata, seriam contraditórias, pois não tinha como elas coexistirem... a primeira, que a cada dia que passava se tornava mais forte, era que a professora era uma vampira. Tudo o que ele conseguiu colher de informações sobre ela o levava a essa conclusão. Mas... a segunda certeza era de que a moça não tinha a menor noção dessa sua condição. E era isso que não deixava a conta fechar. Afinal, um vampiro é um não-morto que tem plena consciência dessa sua não-existencia, sendo isso que o leva a consumir a vida ao seu redor... seu medo de que deixe literalmente de existir. Se este ser não sabe que vive uma não-vida, corre o risco de fenecer por não estar ciente de sua situação... mas a visão que Juvêncio descrevera talvez explicasse esse... estranho fenômeno.

Era noite de lua cheia, portanto era um momento propício para a entidade se manifestar. Vamos deixar uma coisa bem clara... a lua cheia não é uma condição para este ser aparecer, mas já que a tradição diz que sim, não vamos contradizer, não é mesmo? Bem, os dois homens já estavam cansados, pois se mantinham em uma única posição em seu esconderijo, para que nada pudesse detectá-los. Isso era importante, uma vez que Alice sabia que Juvêncio havia presenciado uma manifestação paranormal naquele lugar. Se ela realmente fosse quem eles suspeitavam que fosse, com certeza redobraria sua atenção... portanto, quanto menos chamassem atenção, melhor.

Foi só após a meia noite que a água do rio começou a borbulhar, como se estivesse fervendo. Juvêncio cutucou seu parceiro, e ambos presenciaram a saida daquele estranho ser para fora d'água...  Como da outra vez, o ser que emergia do fundo do rio tinha uma aparência estranha. Tinha aparencia feminina, porém seus traços eram animalescos. Língua bifurcada, como uma serpente... aliás, seus cabelos eram serpentes, que sibilavam sem parar... os dedos das mãos eram ligados por uma membrana, mais ou menos como são as patas das aves aquáticas... sua pele tinha uma coloração meio esverdeada, o que poderia tanto ser a cor de sua tez quanto o reflexo da luz sobre a água... de qualquer forma, conforme ia se afastando das águas de onde surgira, sua aparencia ia se modificando. As serpentes de sua cabeça deram lugar a um cabelo amarelo como os raios do sol. E uma veste branca tomou conta de seu corpo. Sim, o estranho ser tornou-se uma linda mulher. Não, não se parecia com a professora. Como da outra vez, a estranha aparição foi caminhando pela orla do rio, até parar em um determinado local... os dois homens a seguiam com todo cuidado possível, pois não desejavam que a criatura os descobrisse. Como da outra vez, uma bola de fogo cruzou os céus e pousou aos pés da moça. A estranha bola começou a brilhar, até transformar-se em uma gêmea perfeita da sereia e então as duas se fundiram. E voltaram à forma de bola de fogo, ganharam o espaço e desapareceram na noite...

- E então, seu Zacarias, o que o senhor acha?

- Bem... com certeza, é uma manifestação sobrenatural....

- Sim, mas...o que estou perguntando é... ainda acha que é a professora?

- Não se parece com ela... mas isso não quer dizer nada...

- Por que?

- Simples... se a criatura está andando entre nós e não disfarça sua aparência, seria facilmente reconhecida... e, em consequência, destruida...

- Faz sentido...

- Bem... já sabemos que a criatura se dividiu em duas.... isso explicaria porque a professora não tem conhecimento de sua condição...

- Como assim?

- A parte humanizada da criatura vive no meio do... vamos dizer assim... rebanho. Ela tem que tratá-lo bem... ser bemquista pelo grupo.

- Sei... e daí?

- Se ela for "apenas" um ser humano normal, fica muito mais fácil sua convivência... acaba até mesmo criando laços afetivos com seu gado... fica mais fácil de cuidar.

- Meio tétrico, não é mesmo?

- A gente faz mais ou menos isso com os animais que criamos... de certa forma, os vampirizamos, não acha?

- Bem... deixando certas comparações de lado... se for mesmo a professora, ela não deveria saber que se transforma em outro ser?

- Não exatamente... é muito provável que, quando sua parte humana é requisitada, ela está em um estado de dormência... então acaba não tendo noção do que acontece com seu espírito...

- Que está dividido...

- Sim, isso mesmo... está dividido. E permanecerá assim indefinidamente...

- Eu li em algum lugar que os vampiros não envelhecem...

- Essa é uma das poucas verdades sobre esses seres... irão sempre conservar a aparência que tinham quando morreram.... mas para isso, precisam de sangue constantemente...

- Como uma pessoa com moléstia no sangue...

- Sim... o doutor falou sobre isso outro dia... acho que era... leu...  leu... leu alguma coisa....

- Sim, eu também ouvi...

- Então... essas pessoas, para sobreviverem, precisam de transfusão de sangue constantemente... e esses seres precisam consumir a vida, caso contrário simplesmente fenecem... 

- Tudo bem... já sabemos que este ser pode ser a professora... ou não... e como a gente vai confirmar isso?

- Bom, com certeza a gente vai encontrar um cadáver logo pela manhã... infelizmente não temos como impedir isso. Agora, confirmar se é ou não nossa querida Alice... é só ficarmos de tocaia próximo de sua casa...

- E, se confirmarmos... o que faremos?

- De imediato? Nada...

- Como assim?

- Seu Vicente, pensa bem... a moça não faz a menor idéia de quem ela é, na realidade...

- Sim, eu sei...

- O problema é que, se a destruirmos, não estaremos destruindo o vampiro....

 - Não?! Por que?

- Porque, como eu já disse... ela não tem a menor idéia de quem é, na verdade...

- E...?

- E, se destruirmos seu corpo sem ela ter noção de quem é realmente, seu espírito simplesmente reincorporará em outro... recipiente, se assim podemos dizer....

 - Isso está ficando um pouco complicado...

- Se fosse simples, já teríamos resolvido o problema, não é mesmo?

- Bem, isso é...

- Além disso, tem mais uma coisinha para complicar tudo...

- Que seria?....

- As outras entidades que estão soltas pela região. Elas obedecem às ordens da sereia... e, se simplesmente a matarmos, não resolveremos o problema do papa-figo, do lobisomem, da mula sem cabeça... as vítimas continuarão a aparecer...

- E por que, seu Zacarias?

- Porque todos estão ligados... ela é a rainha de todos esses seres... e por isso, a obediência... e eles irão defende-la até o ultimo suspiro...

- Mas se a destruimos antes que eles se reunam...

- Acho que o senhor não entendeu... se fizermos isso, os... monstros que nos rodeiam continuarão a agir... e sem ninguém que lhes imponha uma ordem...

- O senhor está sugerindo...

- Não estou sugerindo nada. O que estou dizendo é que todos eles devem ser subjugados ao mesmo tempo... e isso, meu amigo, não será nada fácil...

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