63 - TROCANDO IDÉIAS...
63 - TROCANDO IDÉIAS...
- Alberto, juro que não entendo....
- O que você não entende, Duarte?
- Bem, você é médico... é um homem da ciência. Sinceramente, não acha que nossos companheiros estão meio doidos?
- Porque?
- Oras, porque.... como é que eles podem cogitar que existem almas do outro mundo rondando nossa cidade... e pior ainda, matando pessoas?...
- Duarte, eu sou uma pessoa esclarecida...
- Eu sei... é por isso que estou falando com você... eu acho que a gente deveria começar a fazer uma investigação de verdade, procurar os culpados de verdade, não espíritos vindos sei lá de onde...
- Duarte, pensa um pouco...
- Pensar em que?
- Você presenciou alguns fenômenos paranormais nesses ultimos tempos... eu mesmo presenciei alguns...
- Que fenômenos?
- Só para te refrescar a memória.... um dos mais escabrosos... o Mané da Tiana...
- O que tinha ele?
- Exatamente... o que tinha ele? Eu, sinceramente, não sei dizer. Tudo aquilo que aprendi na Faculdade de Medicina não serve para explicar o que nós presenciamos aqui, Duarte. E não foi uma, mas duas vezes...
- Não estou entendendo....
- Duarte, Duarte... o pior cego é aquele que não quer ver, sabia? Primeiro, a gente recebeu o sujeito morto aqui no Morgue....
- Nós pensamos que estava morto... não quer dizer que estava.
- Duarte, sou médico legista a um bom tempo. Eu sei quando um sujeito está morto. E o Mané estava morto, sim, senhor.
- Tá... então me explica como é que ele conseguiu sair daqui com as suas próprias pernas, se estava morto....
- Eu não tenho como explicar... esse é o problema. Ele estava morto e não tinha como ter saido. Simples assim.
- Você mesmo me mostrou que ele estava se mexendo...
- Duarte, deixa de ser turrão, homem... o Mané estava com seu abdomem aberto. Eu tinha retirado algumas vísceras do sujeito... como é que você queria que ele estivesse vivo? Mas nem com reza braba... e você se esqueceu de como o encontraram no campo?
- Tenho certeza de que você tem alguma explicação para aquilo...
- Tenho... ô, se tenho! Duarte... o sujeito estava fedendo, derretendo e simplesmente se dissolveu na sua frente. E você quer que eu arranje uma explicação para isso? Desculpe, meu amigo, mas não tem como.... sou obrigado a abraçar a teoria do delegado e do Seu Zacarias...
- Mas isso não tem lógica nenhuma...
- Meu amigo, desde o começo que essa história não tem lógica... é corpo sem sangue, é corpo sem visceras, sem ferimentos... é aparição que surge do rio...
- Que aparição?
- Duarte, você mesmo me contou.... e disse que quase se borrou todo....
- Eu poderia estar tendo uma alucinação...
- Inclusive no campo, junto com o resto do grupo...
- E por que não? Isso pode acontecer, não pode?
- Até pode... mas lembre-se que estava você, o padre, o delegado Vicente e o Juca... além de mais três vaqueiros... vai me dizer que todos vocês estavam alucinando? E que o que viram ali foi fruto da sua imaginação?
Duarte ficou momentaneamente sem argumento. Ele sabia que o doutor estava certo, mas admitir isso era admitir que coisas do outro mundo estavam acontecendo em sua jurisdição... e ele não conseguia admitir tais manifestações... não era lógico... não era natural... mas o doutor parecia aceitar os acontecimentos tranquilamente... como se fosse a coisa mais normal do mundo...
- Duarte...
- Sim, Alberto?....
- Eu até queria refutar as idéias do delegado Vicente...
- E por que não refuta?
- Porque, por mais que me doa admitir, ele está certo em suas conclusões... se fosse um agente humano a causa desses ataques... ou até mesmo um animal... nós já teríamos identificado e neutralizado a ameaça...
Os dois ficam em silêncio por alguns instantes. A porta se abre e entra Alice, sorridente como sempre....
- Nossa, meninos.... não estão sérios demais, não?
- A gente está tentando entender algumas coisas, Alice...
- Posso perguntar o que seria? Ou é alguma coisa confidencial?
Duarte se volta para a professora e responde....
- Não, nada confidencial... ao menos não para o nosso grupo... é que estou questionando a linha de investigação do Delegado Vicente sobre os casos que estamos investigando...
- Sei...
- Ele acha que temos que procurar o sobrenatural para explicarmos os casos que estão ocorrendo na região...
- E...?
- E eu acho isso um absurdo... temos que procurar respostas racionais para resolvermos essa... maçaroca....
- E o que você acha disso tudo, Alberto?
- Bem, Alice... por mais que me doa admitir... e me dói, tenha certeza... eu sou obrigado a concordar com o delegado Vicente....
- Mas... Alberto, as ideias do delegado não fazem sentido nenhum...
- Racionalmente, não, Alice. Mas se consideramos que não temos nenhuma explicação lógica para os acontecimentos, temos que ter a mente aberta, e aceitar outros caminhos...
- Alberto, você é um cientista...
- Sou um médico. Mas quando as explicações lógicas não são suficientes, que venham as ilógicas...
- Não entendi...
- Simples, querida... eu receito remédios para meus pacientes...
- Sim...
- Mas algumas vezes eles saram com suas promessas aos santos de suas devoções...
- E...?
- Ora, se o Além funciona como agente da luz, pode ser que também funcione como agente do caos...
- Nunca ouvi uma ideia mais estapafúrdia...
- Alice, como eu disse antes, temos que manter a mente aberta...
- Não para aceitar baboseiras e crendices como verdade...
- Se elas nos derem uma resposta aceitável... por que não?
Alice se mostrou um pouco irritada com a observação de Alberto. E sua resposta saiu entredentes....
- Por que simplesmente nunca ouvi uma ideia tão idiota antes... por isso.
Alberto não entendeu o repentino mau humor de sua amiga. Mas resolveu deixar para lá. Estava cansado do trabalho, o dia fora puxado. E convidou os dois amigos para darem um pulo na pensão da dona Monica, para tomarem um bom café acompanhado com um bolo de chocolate. Os dois aceitaram na hora e instantaneamente o bom humor de Alice retornou. Começaram a conversar sobre banalidades, deixando os problemas da delegacia e do morgue trancados pelas portas que cerraram. E lá foram os três, conversando alegremente....
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