WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Cinquenta e Seis


 

WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Cinquenta e Seis

 

Izabel estava chateada. Toda aquela situação não era exatamente o que esperava, quando partiu e deixou esposo e filhos. Não. Em sua imaginação, teria um período de aventuras sem par, com muitos tiros, caçada a procurados pela justiça, brigas... ou seja, não haveria mais rotina em sua vida. Cada dia seria uma novidade. Boa ou ruim, o que importava era que um dia nunca seria igual ao outro. Mas...

Rosa também estava desanimada. Foi para isso que abandonou seu emprego com as crianças? Ficar andando de um lado para o outro, sabendo o que poderia acontecer e não poder tomar nenhuma atitude? Não, definitivamente não era isso que ela esperava...

Graça, das três, era a que estava mais tranquila. Talvez o fato de viver correndo na cidade grande, sempre tendo que resolver um problema novo que surgia, a fizesse apreciar esse período de falsa tranquilidade. Sim, porque ela sabia que, quando menos se esperasse, tudo explodiria pelos ares.

Sim, as coisas caminhavam devagar, quase parando. E, não... elas realmente não tinham um papel relevante naquela história... eram apenas observadoras de algo que acontecia ao seu redor. Qual sua função nisso tudo? Esperar que o pano caísse e os atores se recolhessem nos bastidores... e então, levar os perdedores até os campos do além... se fossem os mortais os derrotados, ficariam nas pradarias celestes. Se fosse a entidade... então seria conduzido até os portões da morada dos deuses....

A missão das três era importante, por mais que parecesse algo sem graça... está certo, as moças estavam acostumadas a partir para a ação, mas nem sempre se faz aquilo que se gosta... muitas vezes fazemos apenas o necessário, mesmo que isso seja algo maçante e sem graça...

Se dissermos que Izabel estava arrependida de ter abandonado tudo para seguir atrás do desconhecido, da aventura, estaremos mentindo. Em seu íntimo, não sentia nem um pouco a falta de seu ex-marido ou de suas crianças... era como se eles nunca tivessem feito parte de sua vida...

Mesmo Izabel nunca conseguiu, de verdade, entender porque se casou. Tudo bem, o rapaz gostava dela desde que eram crianças... e faria qualquer coisa para deixá-la feliz... mas ela nunca sentiu nada por ele. E ainda assim... acabaram se casando.

São coisas do destino. Era necessário que ela se casasse. Estava escrito. Mas, apesar de se unirem em matrimônio pela Santa Igreja, ela jamais conseguiu sentir qualquer coisa que fosse por ele... e ainda assim tiveram dois filhos...

Rosa adorava seus alunos. Gostava muito de lecionar. Mas gostava mais do mundo que descobriu ao lado de suas amigas. Que a libertaram de um casamento abusivo, para dizer o mínimo. Que lhe devolveram o amor próprio, que a ajudaram a sentir-se alguém... Sim, aquela duas garotas a trouxeram de volta à vida. E isso era  algo que não tinha comparação com nada no mundo, nem mesmo com sua função de professora...

Quanto a Graça... bem, ela teve um período de aventuras com o qual jamais sonhara quando jovem... e na verdade, só se atirou de corpo e alma àquela vida porque precisava de dinheiro para cuidar de sua mãe. E conseguiu. Mas depois resolveu se aquietar. Cuidar de sua vida. De sua mãe. E acabou responsável pela vida de várias pessoas, coisa que nunca havia imaginado que poderia acontecer. Mas aconteceu. 

Quando Graça recebeu o chamado para voltar para a estrada deixou tudo nas mãos de sua empregada de confiança... porque ela havia cuidado da moça como se fosse sua mãe. E Graça sempre foi agradecida por isso. Quando sua mãe faleceu, Cidinha desdobrou-se para que a moça conseguisse superar o impacto da perda. E a fiel empregada sempre esteve ao seu lado, tanto nos momentos bons quanto nos não tão bons, assim...

Embora não fosse sua obrigação, uma vez que Graça havia passado todas as suas propriedades em nome da empregada, Cidinha enviava um relatório a cada quinze dias, e também enviava uma parte dos lucros aferidos. Sim, Cidinha sentia-se agradecida por tudo que sua patroa lhe dera, assim como Graça tinha Cidinha guardada em seu coração...

As três amigas mantinham-se sempre um pouco afastadas do resto do grupo. Precaução. Sabiam que não podiam ser indiscretas, ou tudo acabaria de uma forma que não seria agradável para ninguém... afinal, elas não estavam ali para caçar. Até davam apoio quando necessário, mas as orientações que receberam eram bem claras... 

O céu estava todo estrelado. A lua, tão cheia que parecia o sol, tão brilhante estava no céu. Sua luz prateada refletia nas águas límpidas do rio e faziam a queda da cachoeira ficar ainda mais linda com a penumbra noturna. A visão que se tinha era boa... como eu disse, era noite de lua cheia e por isso tudo ficava bem claro na pradaria. Se a entidade aparecesse em qualquer ponto que fosse, não passaria despercebida... 

As horas se arrastavam lentamente. O som da noite enchia o ar. Os grilos cricrilavam, os sapos coaxavam... vagalumes cortavam o ar, parecendo reflexos das estrelas que estavam no firmamento. Um vento fresco, vindo do sul, avisava a todos que tudo estava bem, nada estava fora de lugar... O perfume gostoso das flores silvestres enchia o ar... a paz estava presente no mundo naquele momento.

Deveria ser próximo da meia noite, e nada de estranho ou suspeito acontecera até aquele momento. Izabel levantou-se do local em que estava e seguiu até o local em que Juvêncio estava acoitado...

- Delegado...

- Se abaixa, menina... ou o Anhangá pode te ver...

- Fica tranquilo... é sobre isso que eu vim conversar com o senhor...

- O que foi? 

- Sinceramente, eu creio que podemos retornar para a cidade... a fera não vai atacar ninguém, hoje...

- E como você sabe disso?

- Vamos dizer que é intuição....

- Não, sério... como você sabe que o monstro não vai atacar?

- Uma questão de lógica...

- Como assim?

- Bem, os senhores mataram a montaria do bicho...

- Não era nosso alvo principal...

- Eu sei...  

Os dois se encaram! Olhos nos olhos. E Juvêncio sentiu que a moça falava sério... mas como ela poderia saber se o Anhangá iria ou não atacar? Só se...

- Izabel, o que te dá tanta certeza de que a criatura não vai nos atacar?

- Não sei dizer... tudo o que sei é que essa noite ele não vai sair... tenho certeza de que está muito ferido... 

- E...?

- E, ao menos por alguns dias, deverá usar seus parasitas para se alimentar... até se recuperar...

- Como assim? 

- Bem, os parasitas são sua reserva de comida....quando algo o impede de caçar... é deles que vem o sangue que necessita para sobreviver...

- E você... podia contar-me isso? Agora?

- Na verdade, eu só estou confirmando aquilo que o senhor descobriu. Quando o senhor descobre algo, eu posso confirmar ou não...

- Entendo... então a caçada por hoje acabou...

- Eu diria, pelo próximo cinco dias...

- Ele vai partir?

- Oh, não... nosso amigo ainda tem direito a mais uns quinze dias de caçada. Vai perder uns cinco... ainda sobrará mais ou menos dez...

- Então... vamos levantar acampamento...

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