WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS Capítulo Cinquenta e Sete


 

WALKÜREN - AS TRÊS MARIAS

Capítulo Cinquenta e Sete

 

A semana passou tranquila, como Izabel havia dito para Juvêncio. Nenhum ataque foi registrado nesse meio tempo. Sim, as pessoas sentiam uma falsa segurança. Afinal, ao menos aparentemente, o Anhangá... ou seja lá o que fosse que estava infernizando a vida da cidade... havia partido. 

Doutor Carneiro voltou à sua rotina, reassumindo o consultório. Mais proforma mesmo, visto que deixava todos os atendimentos nas mãos de Marieta e só intervia em algum caso quando a moça solicitava sua ajuda.

Marieta se sentia segura, com seu mestre por perto. E... imagine... ela não solicitou a ajuda do mentor uma vez que fosse, durante toda a semana. Sim, ela estava preparada para assumir o consultório...

Carneiro já fazia planos para viajar para Santos tão logo fosse possível. O desejo de adquirir um automóvel estava tão arraigado em sua mente, que ele vivia sonhando com isso. Já havia, inclusive, enviado uma carta para um conhecido, para que esse iniciasse os trâmites para a importação do veículo.

Doutor Carneiro já sabia como o carro poderia ser abastecido. Embora o combustível recomendado fosse a gasolina, um produto bem raro em terras brasileiras, ficou sabendo que o irmão de Santos Dumont, o inventor, abastecia seu automóvel com cachaça... e o veículo desenvolvia bem.

Como o problema do combustível estava resolvido, nada impedia a aquisição do mesmo. E Carneiro não via a hora de receber a notícia de que seu possante estava pronto para vir para Espirito Santo do Pinhal... olha só... nem o prefeito havia adquirido um, ainda. E não era por falta de dinheiro, não... é que o artefato realmente não o interessava...

Doutor Santana passou a semana administrando as brigas dos vaqueiros, quando esses vinham para a cidade. Normalmente esse pessoal ficava mesmo nas fazendas, mas uma vez ou outra resolvia ir para a civilização... bebiam demais e acabavam arrumando confusão...

Sim, foi uma semana tranquila, onde a única preocupação do delegado era prender um ou outro bêbado... fazia tempo que ele não se sentia tão tranquilo quanto nesses dias. Tanto que até deu dois dias de folga para Torquato visitar seus pais na aldeia...

Santana costumava fazer ao menos três rondas pela cidade, observando tudo e todos. Afinal, o problema poderia surgir de onde menos se esperava. Bem, felizmente os problemas pareciam querer distância da cidade... nem mesmo um bêbado foi recolhido nas celas da delegacia...

Matilde continuava pesquisando sobre o assunto em pauta. Ela desejava descobrir o máximo de informações possível sobre o ente que estavam enfrentando. 

Depois de esgotar os livros da biblioteca que tratavam do assunto, começou a conversar com os mais velhos, principalmente aqueles envolvidos com a magia. Ela sabia que boa parte dos conhecimentos adquiridos por essas pessoas fora transmitido oralmente e que não havia nenhum registro compartilhado das informações que essas pessoas guardavam na memória. 

É claro que isso criava uma dificuldade a mais para poder entender exatamente sobre o que cada um falava... afinal, a própria criação do feiticeiro acabava por influenciar como ele descrevia aquilo que era de seu conhecimento. Sim, pois junto com as lições de magia aprendida com os mestres de cada grupo, vinha também a formação familiar, onde histórias e lendas estavam tão arraigadas  em sua psique, que era quase impossível separar aquilo que aprenderam com seus pais daquilo que os magos lhes ensinava...

De uma coisa ela tinha certeza... Juvêncio estava certo por pensar que em algum lugar da floresta deveria ter um templo erigido em nome de Anhangá. Não pelos povos que ela conhecia. Mas por alguma civilização anterior a todos eles...

O que lhe dava esse certeza? Principalmente as lendas que ouviu durante sua procura pela verdade. A principal falava de um lugar todo coberto de ouro, onde a fortuna iria sorrir para aquele corajoso de coração puro que o descobrisse.

Claro que a frase não combinava. Corajoso, tudo bem... ela conhecia várias pessoas que realmente eram corajosas. Que não tinham medo de enfrentar nada que aparecesse em sua frente... agora, de coração puro? Esse era um artigo que estava em falta no mercado local....

Do grupo, o único que continuou a fazer incursões pelo sertão foi Juvêncio. Ele precisava desvendar o mistério que envolvia o vampiro que estava perseguindo. Sabia que, de um momento para o outro, a entidade poderia começar a persegui-lo sem quartel, e a melhor maneira de evitar isso era descobrir onde a besta descansava.

Nosso amigo revirou cada pedra do local em que desconfiava que o ser poderia ter se escondido. Chegou inclusive a entrar na água e procurar alguma entrada atrás da cachoeira... mas é claro que as buscas não deram em nada. Ele  sabia que estava deixando alguma coisa escapar, e isso o incomodava. Pois sabia que qualquer detalhe , por mais insignificante que fosse, lhe escapasse, mais vidas estariam perdidas... 

Juvêncio sentou-se na beira do rio e ficou pensando... e por alguns momentos se viu alguns anos mais novo, cavalgando em seu fiel Corisco, ao lado de Juquinha, montado no Saci, seu cavalo preto como a noite sem lua, e tão veloz quanto Corisco. Sim, eram outros tempos, quando sua maior preocupação era perseguir bandoleiros e fazer justiça para as pessoas humildes. Nessa época nem sonhava em se tornar um caçador de monstros...

Quando foi mesmo seu primeiro caso sobrenatural? Quando ele enfrentou um inimigo que não podia ser parado pelas munições comuns que carregava em suas armas?... Foi logo depois que Juquinha foi matriculado no Colégio... Juvêncio começou a patrulhar o sertão sozinho, quando se deparou com o seu primeiro chupa-sangue. Como dizem, do primeiro monstro ninguém se esquece... 

Era uma noite clara, tão clara que podia ver alguém se aproximando a pelo menos uns cem metros... foi então que o avistou... um ser estranho, parecido com um grande morcego, atacando uma jovem que caminhava pela estrada em direção à sua casa. Ato contínuo, Juvêncio sacou suas armas e começou a disparar contra a criatura.  

Ela parou, largou a moça e olhou para Juvêncio... seus olhos eram vermelhos como fogo... ao fitá-los, Juvêncio viu a própria porta do Inferno. Continuou a disparar contra o estranho ser, mas tudo o que ele fazia era gargalhar. E começou a caminhar bem devagar em direção ao nosso amigo, como se estivesse saboreando cada segundo do pavor que disseminava. 

Quando o inimigo atirou-se contra Juvêncio, suas armas estavam descarregadas. Ele puxou o punhal, e desferiu vários golpes no oponente, que desta vez sentiu os ferimentos... ah, sim... o punhal era de prata, presente de despedida de seu pupilo. Depois de vários golpes desferidos contra a fera, a mesma caiu sem vida aos seus pés.... e foi aí que Juvêncio aprendeu que, para certas criaturas, apenas a prata era páreo...

 

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